Vegetais ganham espaço em 2016

Valor Econômico

Por Juliana Bianchi

Estão lançadas as apostas para o que entra e o que sai dos menus em 2016. Segundo dados da consultoria americana Baum+Whiteman, neste ano os vegetais terão mais destaque do que nunca nos cardápios, seja pela elevação do custo da proteína animal, seja pela maior consciência sobre a quantidade de antibióticos e hormônios associados a ela.

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Elevação do custo da proteína animal e consciência sobre antibióticos estimulam aumento do espaço para vegetais

Quinze anos após o chef francês Alain Passard causar furor ao abolir a carne de seu estrelado restaurante L’Arpège (alçado em 2015 à 12ª colocação no ranking dos melhores do mundo), hoje uma legião de cozinheiros se esforça para tirar a pecha de sem graça de pratos em que raízes, legumes, grãos e cogumelos são os astros principais, surpreendendo até os carnívoros mais fervorosos.

Casos exemplares são o sucesso dos jantares mensais “100% verde” promovidos pelo hotel Shangri-La Paris em 2015; as filas para conseguir um assento no vegetariano Al’s Place, do chef Aaron London, em San Francisco (EUA), considerado restaurante-revelação de 2015; ou mesmo a sensação causada pelos menus de 14 pratos, quase todos apenas com vegetais, do chef Rafa Costa e Silva, no Rio de Janeiro.

Junte-se a isso a disseminação de versões vegetarianas de pratos tradicionais italianos, como espaguete de abobrinha, lasanha de berinjela ou canelone de abóbora, em detrimento das massas à base de trigo. Em várias partes do mundo as vendas do produto apresentam retração nos últimos cinco anos: 8% na Austrália, 13% na Europa, 26% na Itália e 6% nos EUA. No Brasil, segundo dados do Euromonitor, apesar de o volume total de vendas estar praticamente estável há dez anos, o consumo por domicílios caiu de 17,3 kg ao ano em 2005 para 14,40 kg em 2015.

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Pratos tradicionais ganham versões, como o espaguete de abobrinha

O reflexo não é apenas do sucesso de dietas como paleo, da proteína e antiglúten, mas também da crescente busca por alimentos mais nutritivos. “Não acredito que o consumo caia no Brasil, mas as massas devem assumir outros formatos, com diferentes matérias-primas na formulação e nas apresentações”, afirma Enzo Donna, da ECD Consultoria de Food Service.

Cientes da importância de ter uma cozinha cada vez mais sustentável e de menor custo, chefs munidos de técnicas apuradas e sede de conhecimento também vêm reforçando outra tendência crescente – a do aproveitamento integral dos alimentos, incluindo cascas, folhas, pele, ossos e órgãos internos, como fígado, coração e cérebro, além de espécies de peixe pouco valorizadas. O movimento é batizado pela consultoria Technomic como “Trash to Treasure” (de lixo a tesouro).

“Fazemos uma extensa pesquisa quantitativa e qualitativa nos menus dos restaurantes e entre consumidores, especialmente os das gerações Z [nascidos a partir de 1990] e os chamados “millennials [nascidos nos anos 80], para saber o que está acontecendo e para onde vamos”, afirma a editora da Technomic, Lizzy Freier.

Mas, como lembra Michael Whiteman, sócio da empresa que leva seu sobrenome, o maior trabalho é conseguir separar os movimentos que apontam para tendências de outros que são apenas modas passageiras. “Ambos são importantes, mas as ondas requerem alterações táticas de curto prazo nos restaurantes, enquanto as tendências de verdade exigem repensar a estratégia do negócio a longo prazo”, diz Whiteman.

Sardinha e outros peixes baratos estão no movimento ‘Trash to Treasure”
Sardinha e outros peixes baratos estão no movimento ‘Trash to Treasure”

Entre essas, pode-se apontar a rejeição a produtos geneticamente modificados, artificiais, não sustentáveis e cheios de aditivos, que fora do país começam a ser identificados não apenas nas embalagens como também em supermercados e menus. Mais uma vez, trata-se de resultado da crescente preocupação da população com a “saudabilidade”, como aponta a pesquisa Brasil Food Trends 2020.

De acordo com a Baum+Whiteman, pesquisa recente aponta que 36% dos consumidores estão preocupados com a adição de elementos químicos em suas comidas, enquanto outro levantamento mostra que 40% dos entrevistados acreditam ser “muito importante” que os alimentos tenham apenas ingredientes naturais, geneticamente não modificados e livres de corantes e aromatizantes artificiais.

“Chegará o dia em que informações sobre procedência e tipo de produção e manejo de todos os ingredientes estarão à disposição do consumidor em um livro digital no restaurante”, diz Donna. “Mas, hoje, ninguém escolhe restaurante por ser sustentável, apesar de já trazer uma aura positiva à imagem”, completa.

Tamanho cuidado certamente levará ao aumento do custo dos alimentos não só nos mercados como também nos restaurantes. Mas, segundo relatório de tendências de consumo de carnes bovina e suína da Technomic (2015 Center of the Plate Beef & Pork Consumer Trend Report), isso pode não ser exatamente um problema. “Trinta e um por cento dos consumidores entrevistados disseram estar dispostos a pagar mais para ter uma carne livre de transgênicos”, diz Lizzy. O relatório mostra ainda que 22% aceitariam pagar valor até 5% acima do preço atual e 9% iriam além.

Pratos simples e populares, como almôndegas, vão ganhar versões gourmet
Pratos simples e populares, como almôndegas, vão ganhar versões gourmet

Alimentos defumados, tostados e grelhados também estarão em alta em 2016. Então se prepare para ver mais frutas e legumes grelhados, sorvetes e drinques com um toque de fumaça e sobremesas finalizadas com açúcar queimado, como “crème brûlée” ou flambados. “Esses sabores estão associados ao primitivo, ao saudável e, muitas vezes, a embutir um valor agregado de forma rápida ao prato. Mas, no Brasil, isso deve ser uma tendência muito de nicho, apenas nos restaurantes mais sofisticados”, analisa Donna.

As consultorias ainda apostam na renovação de receitas simples e largamente popularizadas, como as de almôndega, pão de queijo, linguiça e frango empanado, que poderão ganhar versões gourmet, baseadas principalmente nas diferentes variações desses pratos pelo mundo. “A revolução do frango frito, por exemplo, já está acontecendo nos EUA, longe das redes de fast-food, guiada por grandes chefs como David Chang”, afirma Whiteman.

Esse movimento também poderá estar relacionado ao crescente interesse por temperos e pimentas de outros países, como a tailandesa “sriracha”. O diretor da ECD, no entanto, acredita que a tendência deve demorar a chegar ao Brasil. “A busca por novas experiências sensoriais está intimamente ligada à Ásia. Mas a grande interferência das pimentas na comida acontece na Tailândia, cultura ainda incipiente entre nós.” Apesar de hoje as informações circularem e chegarem de forma mais rápida, nem tudo que surge pelo mundo se replica por aqui. Resta aguardar para ver o que, de fato, cairá no gosto do brasileiro.